Subvenções vitalícias

"REPOSIÇÃO DE SUBVENÇÕES VITALÍCIAS PARA OS POLÍTICOS

O País assistiu estupefacto à discussão e aprovação, na especialidade, de uma proposta apresentada por dois deputados com reconhecida experiência política, que visava fazer cessar o regime que torna o recebimento da subvenção vitalícia dos antigos titulares de cargos políticos dependente da chamada “condição de recursos”.

Portugal vive, desde há vários anos, uma situação de gravíssima crise económica e financeira, que tem vindo a justificar um conjunto de medidas de austeridade com reflexos violentíssimos em todas as famílias: estas têm sofrido cortes nas suas receitas, seja pela redução de salários, seja pelo aumento dos impostos ou pela redução de prestações sociais. Todas estas medidas têm sido justificadas com a situação de total excecionalidade que o país atravessa.

Ao longo de toda esta legislatura, apesar dos apelos vindos de quase todos os quadrantes, os partidos do “arco da governação”, PSD-CDS, por um lado, e PS, por outro, não foram capazes de obter um único ponto de entendimento.

Estando em causa matérias de relevante interesse nacional, que nos condicionarão para as próximas gerações, estes partidos que há dezenas de anos nos governam, não foram capazes de estabelecer pontes que os aproximassem.

Paradoxalmente, com um consenso político obtido com rapidez assinalável e uma eficaz discrição, estes mesmos partidos, estando em causa já não o interesse nacional mas sim um interesse pouco mais que “corporativo”, foram capazes de obter o seu primeiro entendimento em toda a legislatura!

A questão de quem pode ou não ter direito à subvenção vitalícia terá seguramente implicações financeiras, legais e até constitucionais. Não é isso que está agora em causa: todo este processo tem na sua base, antes de mais nada, uma opção ético-política censurável que apenas foi possível travar pelo clamor geral de indignação da sociedade civil e de alguns dos seus mais ilustres representantes, que exigiram decoro aos senhores deputados proponentes. Não fora a reação geral de escândalo e estupefação e os dois maiores partidos – com a abstenção cúmplice do CDS, que sem querer o ónus de votar a favor assumiu uma posição de aceitar os eventuais benefícios que daí adviessem – teriam mesmo aprovado esta proposta, numa situação manifesta de conflito de interesses e violando as mais elementares regras éticas do exercício de funções políticas de representação de uma nação.

São comportamentos deste tipo que geram a total separação entre eleitos e eleitores e abrem caminho a propostas políticas sustentadas na demagogia e no populismo mais desenfreado.

Além disso, estamos certos que se os eleitores pudessem efetivamente escolher os deputados a eleger, designadamente através da criação de círculos uninominais, em vez de votação em listas quase anónimas, seguramente iriam penalizar os autores e apoiantes de tão chocante e descarada proposta."

Miguel Leão

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